Tu não te sentes velho até o momento em que alguém te cede o lugar no metrô ou no ônibus. Imediatamente  és promovido — ou rebaixado, depende — à categoria dos idosos, também chamados preferenciais quando entram em filas. Em outros casos, usa-se a expressão melhor idade, ironia de quem a inventou e de quem a adotou como boa ideia.
Pensas nisso porque teu amigo H, que habitualmente anda de carro próprio, entrou no metrô e foi presenteado com a súbita consciência da idade. Um homem cedeu-lhe o lugar.
— Não era rapazinho, não, era um homem de uns 35 anos — relata, escandalizado.
Se não tivesse entrado no metrô, passaria talvez ainda muitos anos naquela ignorância específica de si mesmo. Até ali, não era um homem da sua idade.
Revelações súbitas impressionam. Quando chegam aos poucos, porém, aceitam-se novidades duras, até o desamor, até a idade. Poetas sabem falar dessas coisas, estudam a si mesmos, como Drummond: “Há muito suspeitei o velho em mim”. No mesmo poema, Versos à Boca da Noite, leste: “Sinto que o tempo sobre mim abate / sua mão pesada. Rugas, dentes, calva... / Uma aceitação maior de tudo, / e o medo de novas descobertas.”.
Sabem os poetas que essa consciência não chega assim, de repente, numa viagem de metrô; sinais a precedem, como leste no mesmo Drummond, em Indicações: “Talvez uma sensibilidade maior ao frio, / desejo de voltar mais cedo para casa. / Certa demora em abrir o pacote de livros / esperado, que trouxe o correio. / Indecisão: irei ao cinema? (...) Talvez certo olhar, mais sério, não ardente, / que pousas nas coisas, e elas compreendem.”.
Se outro poeta se observa com sarcasmo, dizendo “Envelheço / envelheço / vou ter de andar com a bainha das calças arregaçadas” (T.S. Eliot: “I grow old / I grow old / I shall wear the bottoms of my trousers rolled”), compreen
Sim, um dia te dás conta, ou a fita métrica dá-te conta, de que não tens mais 1,74 metro e sim 1,72. Quem te surrupiou 2 centímetros? Cadê os 2 centímetros que eram teus, e que levaste anos para conquistar? Pior: surrupiaram- te centímetros na altura e deram-te quilos na cintura — péssimo negócio! Percebes as perdas; mas a sabedoria que vem com elas impedirá a amargura e te encaminhará, se fores esperto, para o humor.
Observas teu corpo, notas que já não gozas de tantos privilégios, aquela visão, a audição, a agilidade, a memória, o raciocínio, o equilíbrio, o olhar interessado das moças. Sentes dificuldade de te equilibrar sobre um pé só, para vestir as calças, por exemplo; já não dá para galgar correndo os degraus do ônibus. Paciência. Principalmente para quem vem atrás: paciência. O humor te salva. Comparas teu corpo com o automóvel que não trocaste: os faróis perdem luminosidade, a suspensão e os amortecedores começam a socar, osso com osso, o motor faz barulhos suspeitos, a bomba de combustível perde pressão, a bateria cai e não dá aquela partida, o óleo vai ficando ralo, as cores da lataria tornam-se pálidas, aparecem manchas, riscos...
O que mais se perde é a pressa, e o perdê-la é um ganho. Ganha-se o fruir, o tempo da degustação. Uma fruta já não é só alimento, é sumo, é açúcar, é sorver, como na infância. A sombra torna-se merecimento, deixar-se estar, sem ter de forçosamente abreviar aquele desfrute. Doce, nem precisas de muito, o pouco rende, vai demorando-se no céu da boca, continua rendendo pelas artérias. Andar não é tanto a obrigação de chegar, é flanar. E amar já não é uma batalha, é rendição — de arma pronta, porém. Nem tudo é perda, aprendes. Melhoram a ponderação, o juízo, a paciência, o paladar, a noção de conveniência, a noção de tempo. Quanto menos tempo te resta, mais avaro o aproveitas.